domingo, 13 de maio de 2012

Capítulo 3 - Perguntas e Respostas


Luca acordou no meio da noite respirando intensamente. Olhou para os dois lados da cama e percebeu que foi apenas um sonho. O mesmo sonho das últimas noites: o conhecido javali com pelo avermelhado sendo acariciado na cabeça pela mão de dedos longos e pálidos. Levantou-se, prendeu os longos cabelos e saiu pela porta de trás da casa em direção ao bosque.
A água corria no seu ritmo habitual no riacho que beirava o bosque e o separava das casas da aldeia do Povo das Rochas. Luca sentou-se nas raízes de uma grande árvore, que pelo peso do tempo e dos galhos de sua copa, se curvava sobre o rio formando a sombra de uma ponte sobre a água. O menino agora era um jovem de quase 20 anos e embora não fosse alto como sonhou ser quando criança, suas preocupações agora eram bem diferentes do que na época em que brincava na Rua Cachoeira.
Como seria sua vida se não tivesse ido para Greenfar? Se não tivesse tocado a passagem e simplesmente tivesse continuado seu caminho para casa com Solk? Como estariam sua família, os amigos? As memórias dessa época ficavam cada vez mais distantes. Será que Hadel teria aberto outra passagem para a Terra, ou mundo lógico como todos a chamavam? Teria ele trazido mais alguém de lá e feito prisioneiro, como tentou com Luca? De todas as dúvidas que vagavam por sua mente havia uma que era maior que todas as outras: seria possível voltar?
Antes que pudesse concluir seu pensamento, Luca ouviu passos leves se aproximando e sabia a quem pertenciam.
- Acredito que mesmo que eu fosse um Mago da Natureza e pudesse voar como uma borboleta você ouviria se eu me levantasse da cama, não? – disse Luca ainda olhando fixamente para a curva do riacho enquanto Fred se sentava com certa dificuldade ao seu lado.
- O javali de Hadel de novo, não? – não era necessária uma resposta de Luca para que Fred soubesse o que estava acontecendo.
- Todo o meu conhecimento de uma vida inteira viajando por Greenfar são insuficientes para sanar suas dúvidas, meu filho. Queria ter suas respostas, mas não possuo. O máximo que consigo é tentar fazê-lo feliz aqui.
- Eu não tenho dúvidas disso, Fred. Você sabe que te devo a minha vida e eu sou feliz aqui, mas é difícil não pensar no que teria acontecido... – Luca preferiu o silêncio a terminar a frase que Fred já tinha escutado tantas vezes desde o dia em que ele o encontrou fraco e doente no bosque, após sua fuga de Hadel.
Fred já tinha quase 9 eras de idade, o que pode ser comparado a quase 70 anos. Quando era jovem percebeu que não tinha habilidades com magia como seus amigos, então decidiu sair da aldeia e conhecer o mundo. Passou a vida viajando, conhecendo lugares, pessoas e lendas. Sua coragem se transformou em conhecimento, mas um dia percebeu que as pernas já não conseguiam carregar tudo o que aprendera, então decidiu voltar para casa com o objetivo de passar tudo o que viu para os mais jovens.
Foi recebido na aldeia do Povo das Rochas com muita festa e alegria, sendo rapidamente reconhecido e respeitado. Foi nomeado um dos conselheiros da aldeia, junto com Ayla, a Curandeira, e Ortiz, o Shamã.
Quebrando o silencio que havia se estabelecido, Luca disse um pouco vacilante:
- Fred, vamos entrar novamente na Era da Terra Acima. Pensei em tentar usar o livreto de Hadel. – apesar da serenidade característica de Fred, ele tinha receio em saber qual seria a sua reação quando dissesse isso.
Quando fugiu, Luca trouxe o livreto de Hadel, com todas as anotações que ele fizera enquanto tentava abrir uma passagem para o mundo lógico. Eles já haviam analisado tudo o que havia nele, mas não era simples. A mente de Hadel era confusa, assim como suas anotações. Uma das poucas conclusões a que conseguiram chegar era a necessidade de se fechar o ciclo das 7 eras para se abrir a passagem.
Fred segurou a respiração por alguns segundos. Ele sabia que enquanto o ciclo das eras não se encerrasse o assunto não seria um problema, mas havia chegado a hora que ele mais temia.
- Luca, não sei se você deve...é arriscado. Além disso, você realmente quer voltar? – sua pergunta tinha mais por trás do que as palavras podiam expressar. Fred tinha Luca como um filho. Percebendo que poderia ter ferido os sentimentos de Fred, Luca logo corrigiu.
- Eu preciso de respostas, esclarecimentos...qualquer coisa, Fred. Não consigo ter uma vida plena, aqui ou em qualquer lugar com tantas perguntas sem resposta.
Um turbilhão de sentimentos tomou conta de Fred. Ele não queria perder Luca, mas sabia que ele só seria realmente feliz se pudesse entender melhor o que aconteceu e talvez, tendo suas respostas, ele escolheria ficar em Greenfar. Era um risco muito alto, mas necessário. E ele não deixaria Luca fazer isso sozinho.
Com um longo suspiro, Fred disse:
- Está bem. Vou ajudá-lo, mas precisaremos avisar Ayla. E não será fácil convencê-la.
Luca sabia que convencer Ayla seria talvez tão complicado quanto abrir uma passagem, mas o apoio de Fred o deixava muito confiante. Continuaram sentados na beira do riacho, aguardando o sol nascer por completo para irem até a casa de Ayla.

sábado, 12 de maio de 2012

Capítulo 2 - Ano 1998 / Era Terra Acima


- Segunda vez essa semana que eles me enchem o saco... – disse cabisbaixo o menino magrelo de cabelos pretos enquanto caminhava ao lado do amigo de volta para casa. Solk deu uma risada breve e alegre passando o braço comprido pelo ombro do amigo. Apesar de ter apenas dois anos a mais do que o amigo que acabara de completar 12 anos, Solk já possuía o porte físico de um rapaz mais velho, porém muito desengonçado com as novas dimensões.
                - Relaxa, Luca, enquanto eles acreditarem que eu sou muito mais velho eles não vão te perturbar mais. Luca sorriu e se lembrou da coragem do amigo ao se colocar entre ele e os meninos da rua de cima bradando para que não mexessem mais com ele, os fazendo correr apavorados.
- Espero que isso tenha efeito quando eu não tiver a sorte de você aparecer. - O desapontamento em sua voz era perceptível. Tentando mudar de assunto Solk falou:
- Vamos jogar vídeo game depois do almoço? – com um sorriso que fazia as meninas do colégio suspirarem, mas que o amigo de tantos anos já sabia que era uma tentativa de reanimá-lo.
Luca concordou e continuaram andando até chegarem a Rua Cachoeira, com suas pequenas casas coloridas, a calçada irregular e as árvores baixas que cresceram junto com os dois meninos. Ao cruzarem o primeiro poste começaram uma corrida rotineira para ver quem chegava antes ao último poste, mas antes que chegassem à metade do caminho Solk parou e puxou o amigo pelo braço, que quase caiu por parar bruscamente. Luca achou que o amigo estava tentando trapacear, mas Solk não estava mais correndo e olhava curiosamente para o outro lado da rua.
- Que luz é aquela?! – disse Solk intrigado. Luca se virou na direção que o amigo olhava e também notou algo anormal. Era uma luz muito brilhante que flutuava perto de uma árvore frondosa. Apesar da sombra da árvore, a luz ainda era muito forte.
Os dois se olharam como se hesitassem em ir até a estranha luminosidade que emanava do nada, mas a curiosidade dos meninos era maior. Foram andando muito vagarosamente na direção do brilho flutuante.
-Parece...um espelho. – gaguejou Solk enquanto examinava a superfície brilhante suspensa na sua frente.
Luca também observava curiosamente. Apesar de parecer um espelho, a tela brilhante não refletia a imagem dos meninos.
- Solk, se fosse um espelho apareceríamos nele... – disse enquanto se inclinava para olhar melhor dentro da tela, se aproximando mais do que deveria. Solk percebeu que Luca estava quase entrando em contato com “aquilo” e fez um movimento para afastar o amigo, mas foi tarde demais. Luca tocou a tela e Solk sentiu que o ombro do seu amigo sumiu do contato com a sua mão. Ele olhou para a tela e viu Luca dentro do “espelho” olhando assustado para fora.
- Luca! Você precisa voltar! – disse desesperadamente, mas antes que terminasse a frase, a luz se apagou e a tela sumiu. Solk agora estava sozinho na rua.

Capítulo 1 - Antiguidade

O mundo como o conhecemos hoje surgiu de uma grande explosão causada pelos deuses que, interessados em saber o que seria gerado a partir do caos, resolveram assistir passivamente o que ocorreria. Através de evoluções, a natureza e todos os seres que hoje habitam no mundo surgiram a partir das necessidades e das adaptações que ocorreram ao longo de milhões de anos.
  Até que surgiu o Homem, um ser extremamente evoluído, capaz de equilibrar toda a energia que circulava no mundo e com uma excepcional capacidade de pensamento lógico. Com grande potencial, o Homem estava descobrindo os primeiros usos da magia, a utilização da matéria natural para a construção de instrumentos e tentando controlar a natureza, mas com o tempo, eles perceberam que controlando a magia, a razão e a natureza, eles dominariam qualquer outro ser e isso começou a preocupar os deuses.
O Homem nomeou-se "Ser Supremo" e então os deuses começaram a discutir se deveriam interferir pela primeira vez naquela experiência, já que ficavam cada vez mais claras as más intenções de alguns indivíduos.
Os deuses decidiram intervir e os procuraram, com a intenção de orientá-los sobre o uso correto do seu potencial para que eles não destruíssem uns aos outros, mas já era tarde. Os Homens não conheciam os deuses, idolatravam a si mesmos, então os receberam com desdém e riram do que lhes foi dito. Sentindo-se mais poderosos do que qualquer outro ser, expulsaram os deuses, sem se dar conta do erro que cometiam.      
           Os deuses então decidiram que tanto poder era um grande risco, então tirariam algum dos potenciais dos Homens. Para provar seu poder, enviaram grandes catástrofes e um recado: os homens deveriam escolher se manteriam seu potencial lógico, que proporcionaria o domínio da razão e do que ela é capaz de construir, ou seu potencial mágico, que os tornaria capazes de dominar a energia da mente e da natureza.
Os homens começaram a discutir qual seria a escolha e essa discussão se tornou uma grande guerra que quase dizimou a Humanidade. Ao perceberem que esse conflito levaria ao seu fim, os homens decidiram implorar aos deuses que cada grupo mantivesse o potencial que desejava. Os deuses também não queriam aquele conflito, mas sabiam que os dois potenciais não poderiam coexistir, então aceitaram a proposta dos homens, com a condição que os dois grupos se separassem para sempre e nunca mais tivessem contato um com o outro. Dessa forma, os deuses criaram o mundo lógico e o mundo mágico.