segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Capítulo 10 - Três pontos de vista

        - Eu não existo mais. Eu não existo, Fred...
        O olhar de Luca estava vazio e ele repetia essa frase com pouca força na voz. Era como se precisasse se ouvir para acreditar naquilo que havia visto através da passagem que ainda brilhava na sua frente. A tela iluminada já não importava mais, ele fora apagado do mundo lógico quando fez a passagem para o mundo mágico. A resposta que ele tanto queria veio carregada de decepção e tristeza. Era arriscado, ele sabia desde o começo, mas não imaginava que seria tão doloroso assim.
        - Meu filho, vamos fechar essa passagem de uma vez e esquecer isso, vamos...
        O corpo de Luca não possuia forças para se levantar, mesmo com a ajuda de Fred.
        O silêncio foi quebrado pelo barulho repentino de algo sendo expelido pela passagem e caindo no chão. Antes que eles pudessem entender o que se passou, a imagem de Hadel apareceu na tela. Os dois se olharam rapidamente, mas antes que a passagem se fechasse o jovem pode perceber uma expressão de ódio se formando no rosto do homem.

***

        O alarme do celular de Solk tocou. Ele desligou o barulho com pressa e buscou uma pequena caixa de remédios no bolso.
        - Pílula vermelha, nível de insanidade mais 12.
        Jogou o remédio em um canteiro de plantas enquanto andava de volta para casa. Havia sido liberado mais cedo do trabalho na firma de advocacia onde trabalhava como assistente do assistente do assistente para ir à consulta mensal com o psiquiatra. Era a mesma rotina todo mês, ele só precisava dar as respostas certas e confirmar que continuava tomando todos os remédios. Remédios esses que ele já não tomava há dois anos e havia desistido de pedir para que seus pais parassem de comprar. Era mais fácil continuar fingindo que vivia dopado como eles acreditavam, afinal era assim que eles o tratavam todo o tempo.
        Ao chegar na rua de casa avistou duas vizinhas conversando e pensou com ironia "Lá está a mãe do Luca, que eu inventei". Ele as cumprimentou formalmente e continuou seu caminho se lembrando de todas as vezes em que implorou para aquela mulher lembrar do seu filho que havia sumido. Por mais que todos dissessem que ele era doido, que o tal Luca não existia, eram muitas memórias com o amigo para que pudessem fazê-lo acreditar que de fato havia enlouquecido. Agora era mais fácil fingir que de fato passou um tempo "perturbado da cabeça" e agora era um homem sério e curado.
        Até que um brilho na esquina da rua chamou sua atenção. Ele parou, olhou rapidamente, mas sabia que não era prudente agir assim dado seu histórico, então continuou andando para casa tentando olhar discretamente o que de fato havia na esquina.
        - Não é possível que eu esteja vendo aquele brilho novamente - falou consigo.
        Solk aguardou a rua ficar vazia e caminhou em direção a tela brilhante que flutuava ao lado de um muro alto. Uma parte sua, provavelmente a que havia absorvido a medicação de tantos anos, o dizia para voltar para casa, mas por outro lado havia uma voz que ainda se lembrava de Luca e que o incentivava a verificar o que era aquilo. Ele parou e ficou observando. Era exatamente a mesma visão que ele teve 8 anos atrás, quando viu seu amigo Luca pela útlima vez. Ele hesitou em continuar sua caminhada ao encontro do espelho, mas sabia que se havia alguma maneira de provar que todos estavam errados, era indo até lá. Respirou profundamente e andou com firmeza até o brilho, mas quando estava prestes a entrar em contato com a superfície luminosa alguém, vindo na direção contrária, trombou com ele e tudo ficou escuro.

***

        Le: Cheguei na Rua Cachoeira. Tem duas casas da lista aqui. Acabei de passar pela primeira, mas é quase uma mansão!
        Gu: Seu pai ia adorar saber que você saiu de casa para pelo menos ir para uma mansão, não acha? rsrsrs
        Le: Só se eu fosse morar em uma das mansões dele. E eu espero que ele só descubra que eu pretendo sair de casa quando já estiver instalada e bem longe.
        Gu: Você deveria parar com essa rixa com ele. É seu pai, minha fofa.
        Le:  Meu pai morreu junto com a minha mãe. Esse que ficou é só um egocêntrico que quer me escravizar em uma das empresas dele.
        A menina ajeitou a mochila no ombro enquanto andava devagar e terminava de digitar a mensagem no celular. Olhou para o papel na outra mão em que estavam os endereços das casas disponíveis para alugar. Colocou o celular no bolso, pegou uma caneta na lateral da mochila e colocou na boca. O celular estava vibrando de novo com uma nova mensagem.
        Gu: Que horas você vai pra facul hoje?
        Antes de responder a mensagem ela percebeu que estava nos fundos da segunda casa que deveria visitar, conforme as fotos que viu na internet. Uma casa pequena de esquina, mas com um muro alto que dificultava enxergar seu interior. Continuou caminhando pelo muro para chegar ao portão e baixou a cabeça para responder a mensagem
        Le: Assim que terminar de visit...
        De repente ela levou um esbarrão tão forte que a fez cair, enquanto seu celular era arremessado para o meio da rua.