domingo, 12 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Códigos decifrados

        Luca já estava há horas na casa de Ayla decifrando o livreto de Hadel e fazendo inúmeras anotações sobre o que era possível desvendar após Smarilion o ajudar com a ilusão que tornava o livreto legível. Quando terminou, percebeu a ausência de Fred.
        - Ayla, terminei. Pelo menos o que eu consegui entender sozinho, mas preciso da ajuda de Fred, onde ele está?
        Enquanto terminava de limpar alguns panos sujos de sangue da extração bem sucedida de um pré-molar, a senhora respondeu:
        - Voltou para casa para preparar algo para vocês comerem a noite, você não o ouviu quando ele o avisou?
        Antes que pudesse perguntar o que ele descobriu com a análise, Ayla ouviu a porta se fechar. Luca já havia saído para falar com Fred. No caminho, o jovem percebeu que havia esquecido completamente da troca com as aldeias de cima, e que havia dito a Oli que acompanharia os homens. Mudou seu rumo para a casa dos Trinid e encontrou com Sarah no meio do caminho carregando uma cesta de frutas que havia acabado de colher no bosque.
        - Sarah! Onde está seu pai?
        - Os homens ainda não voltaram das aldeias de cima. Você deveria ter ido com eles, não?
        - É, mas tive outras...hum...tarefas importantes para fazer.
        - Apesar da algazarra que Alis causou de manhã, percebi que você estava ansioso com algo.
         Ele percebeu que a jovem logo o perguntaria o que estava acontecendo e apesar de confiar nela, não deveria contar.
        - Por favor, peça desculpas a seu pai por eu não ter ido, está bem? Obrigado!
        E deixou a moça o olhando intrigada enquanto ele corria na direção de casa.


        A sopa já estava colocada na mesa quando Luca entrou em casa carregando um monte de papéis com anotações e desenhos. Fred observou pacientemente enquanto Luca distribuia tudo pela mesa, ignorando a tigela de sopa quente que Fred havia colocado para ele.
        - 93 folhas usadas, 14 folhas em branco, 581 tentativas diferentes, incluindo variações de um ingrediente ou outro, 19 símbolos que eu nunca vi, uma página arrancada...
        Fred o interrompeu serenamente:
        - Acalme-se, meu filho. Entendo sua pressa em resolver isso, mas vamos do começo.
        As mãos enrrugadas do senhor pegaram o livreto e ele indicou um grande rabisco que havia na parte de trás do objeto.
        - O que era isso?
        - Um símbolo que eu não conheço, o desenhei em algum lugar...aqui.
        Luca mostrou um papel com um símbolo simples composto por quatro linhas. A primeira era horizontal, com duas pequenas curvas acentuadas. Da ponta das duas curvas, duas linhas retas desciam na vertical e a quarta linha era uma reta, paralela a linha curva, mas tocando a ponta das duas linhas verticais.
        - É o símbolo do Povo do Gelo, Luca. Veja, é a ponta de uma geleira. Esse livreto veio de lá, o que me deixa bastante surpreso já que eles ficam foram da Grande Ilha de Greenfar. Hadel viajou muito para encontrá-los. Eu mesmo só fui uma vez até essa região, já que seu acesso não é fácil. Além disso, eles possuem costumes muito diferentes dos nossos. Dizem que, por estar mais ao Norte, é o povo mais próximo dos deuses. Sua crença neles é muito forte, mas diferente de nós, poucas pessoas dominam magia.
        - Faz muito sentido isso! Se eles acreditam tanto nos deuses devem estar mais ligados às lendas antigas, como diz no texto atrás da capa. É a única inscrição não manuscrita e sim gravada com algum material que eu não identifiquei.
        Luca pegou outra folha e mostrou para Fred a cópia de mais uma parte rabiscada do livreto:

        "Somos aqueles que Os respeitam
         Somos aqueles que Os veneram
         Somos aqueles que Os temem
         Somos aqueles que Os agradecem
         Devemos a Eles a piedade da cisão
         E a gratidão por tudo o que nos cerca"

        Fred continuou observando o livreto, passou os dedos pelas folhas em branco e aproximou o objeto de seu nariz. Luca o olhava curiosamente.
        - É feito de um tipo de folha muito comum, praticamente encontrada em qualquer lugar, mas algo na sua confecção não me parece comum. Deve ser alguma técnica do Povo do Gelo que desconheço. Mais alguma outra anotação sobre a origem do livreto?
        - Mais nada. E acho que a origem do livreto é o de menos. Existem anotações de diversos lugares. Nunca agradeci tanto seu esforço em me dar aulas sobre Greenfar quando cheguei.
        Luca olhou Fred com cumplicidade e mostrou uma lista de nomes de regiões e povos que ele havia encontrado nas anotações de Hadel, junto com trechos de cantigas, lendas e histórias que faziam referência a divisão dos mundos. Fred ficou muito espantado.
        - Estou impressionado que essa história seja encontrada em lugares tão diferentes e de maneiras tão distintas.
        - Mais impressionante do que isso é a quantidade de itens que ele usou nas tentativas. Eu não conheço nem metade de tudo o que ele utilizou tentando abrir uma passagem. A cada nova pista encontrada, ele interpretava todos os significados que pudesse ter e buscava o que se encaixasse. É doentio.
        Fred se surpreendia cada vez mais com tudo o que lia.
        - Luca, você sabe o que é uma Imperatriz do Deserto?
        - Não faço ideia do que é. Só sei que ele a cortou em 3 partes para poder utilizar mais de uma vez.
        - Filho, essa é uma flor rara, eu diria mitológica. Se ele conseguiu encontrar uma e ainda a partiu em 3 partes fico realmente preocupado com o que ele pode estar fazendo hoje. Se foi com isso que ele abriu a passagem, será impossível encontrarmos...
        - Essa é a melhor parte, Fred! As últimas anotações vieram depois desse trecho:

"Não se deve jamais tentar separar o que os deuses uniram, 
Assim como também não se deve unir aquilo que os deuses separaram
é como desejar a morte e o desequilibrio do todo
Isso só pode ser feito fundindo opostos de forma que se somem e não se anulem
E com um elemento que naturalmente possua uma parte de cada um dos lados"

        - São só dois elementos, Fred! Os opostos e um que possua uma parte de cada lado. - disse Luca muito animado.
        - E as três primeiras frases você resolveu ignorar, não é mesmo?
        Luca o olhou com reprovação e Fred suspirou com pesar. Os riscos dessa busca já estavam claros desde o começo, embora Fred, em seu íntimo, sempre se questionasse sobre continuar ou não. Luca ignorou o comentário de Fred e prosseguiu:
        - Depois de muitas fusões, ele passou a usar somente água e fogo. E assim foi até a última anotação.
        - E o que ele usou como segundo elemento, o que possui uma parte de cada lado?
        - Ele tentou muitas coisas que talvez tivessem ligação com os dois mundos, mas ele não anotou o que usou por último. É uma frase incompleta. Talvez ele tenha anotado na página que arrancou, mas isso não importa porque EU sou um elemento dos dois mundos. Vivi lá e agora vivo aqui. Precisamos tentar o quanto antes!
        Fred percebeu que Luca estava caminhando no seu objetivo de abrir uma passagem para o mundo lógico e sentiu um frio na espinha. Ele tentou pensar em algo que pudesse impedí-lo de continuar, mas não havia mais volta, ainda mais com o livreto desvendado. E principalmente com Luca achando que ele era a chave para a passagem ser aberta.
        - Luca, posso te fazer um pedido?
        - Claro, Fred.
        - Podemos deixar isso para amanhã? Tome sua sopa e descanse. Por favor.
        Não havia porque deixar para o dia seguinte, mas Luca sabia que Fred precisava de um tempo para digerir os acontecimentos e as descobertas. Valia a pena controlar a ansiedade por Fred.
        - Está bem, amanhã cedo começo.
        E bebeu com gosto a sopa fria.

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